O ROSTO
(O engenheiro do ar)
O rosto se desgasta.
Franze-se bastante, de frente para
o mundo
e seu repertório de violência.
Chorou, ainda que muitas vezes às
escondidas,
por razões tão distintas
que não cabe agora enumerá-las.
Escutou tanto diálogo vazio,
tanta contradição,
que até maldisse a linguagem
e seus usos,
esquecendo-se da arte.
Pronunciou protestos, pequenos
talvez,
ou apenas catarse;
leu manifestos a favor e contra,
segundo as circunstâncias;
recitou poemas em voz baixa,
plenos de dúvidas e espanto.
Observou o mundo e suas falsas
mudanças,
o fabrico de pensamentos
que justificam qualquer ato,
como prisão, tortura e morte.
Fechou os olhos diante
das execuções sumárias das auroras.
Cansou-se.
O rosto e as rugas.
O rosto e as marcas.
A fisionomia adquire outras
expressões,
como impõe o tempo.
O rosto se desgasta.
Não quer mais apreciar certas
paisagens.
A idade perde o glamour
e as autoestradas oferecem pequenas
alternativas de fuga.
Está ranzinza.
Não aceita a sopa, não aceita as
orquídeas.
Recusa-se ao jornal.
O dia ainda é ontem?, pergunta-se
retórico.
Como não faz mais a barba,
há muito não se olhou no espelho.
Por isso não dá pela presença
de estranhos pelos,
nem pelos olhos de outro.
O rosto é o próprio lobo.
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