sábado, 28 de março de 2015

DA MEMÓRIA DE UMA ESTRADA E SUAS BIFURCAÇÕES


















DA MEMÓRIA DE UMA ESTRADA E SUAS BIFURCAÇÕES 


a liberdade se extravia
numa estrada de Minas
sem rasto, pegada, vestígio

imediatamente a polícia
se põe em encalço e vigia
todas as terras, na superfície

ao sol ou nas horas sombrias,
que a lei exige o ofício
de cão, de radar, de espia

e sentinelas fazem mira
com arma de todo calibre
são ordens, não livre arbítrio

a liberdade se extravia
súbito, após uma esquina
e dela não se tem mais notícia

lá pelo morro é vista
outros dizem “pela planície”,
como quem sabe e despista

aos poucos, em toda freguesia,
à liberdade alguém assiste
em seu discurso de guerrilha

e se estende o longo pavio
por onde sua palavra é bem-vinda
a negros, mulatos e índios,

pois aos membros da fidalguia
é liberdade em parte, só devida
ao não pagamento da dívida

são coisas de moeda, não utopia
que enche os olhos de delírio
e com outros corações conspira

liberdade é ponte levadiça
portões abertos da enxovia
estrada sem marca de limite

não se atém a acordos políticos
é palavra sem cartório e registro
que se espalha voraz, prolixa

e hoje inesperada se extravia
na noite de Minas, nas trilhas
das cargas de ouro e designa

que, ainda que tarde, um dia
não usará do fogo o estigma
antes será escravo fugidio

para em quilombos ter abrigo,
enquanto em Vila-Rica
ouvir-se só a voz da tirania

como a liberdade não se poria
contra os gigantes, os moinhos
contra as balas e facas da milícia

é el-rei quem de longe atira
com mãos alheias, alheios rifles,
mas com sua a boa pontaria

e os corpos que caem dos nativos
são números apenas, são lista,
a morte em forma de estatística

o que importa mesmo é o quinto,
o imposto, a taxa, o dízimo,
mais que uma ou outra vida

aquele que do medo se desvia
e enfrenta o império, a conquista,
sabe da liberdade o risco

e este com o seguinte se alia
e em reuniões clandestinas
faz planos de paz e justiça

para que o país enfim se livre
de todos os reis e cobiça,
de toda polícia e seus crimes,

de todo estrangeiro nas minas
que nos deixa sem nada, à míngua
apesar de nossos o veio e o garimpo

a liberdade se extravia,
mas esquece em nós o rastilho
que queima como se o enigma

se elucidasse e fosse visível
no rosto de todo nativo, no riso
dos homens agora paixão e vertigem 

















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