terça-feira, 10 de março de 2015

INQUÉRITO


















INQUÉRITO
 (Vida, a respeito de)


De que se compõe ou recompõe o homem?
Das coisas que somem? Dos textos interrompidos?
Das pontes queimadas?
Que elementos bastam para identificar o homem?
A impressão digital? A série de números?
O movimento dos membros? Seu inútil apelo?
No desenho de um papel vegetal? Na botânica
da vida? Na ficha da polícia?

Em que partes a vida se divide? Em tempos
distintos? O agora versus o extinto? Mas quem ousa
dizer que todas as coisas não se fundem
num mesmo instante longo e obeso?
Mais do que de água, o homem é feito de tempo,
da poeira do tempo que se acumula
por baixo da porta. A história do homem
não se lava com água. Ela entranha nas unhas,
nos poros, nos olhos. O mundo que ele enxerga
tem a cinza deste pó.

O que difere um homem? Seu propósito? Sua semeadura?
Ou os atos já feitos, lavrados em cartório?
Estaria então sempre ele no meio de um gesto? E ser
pertence à categoria do incompleto?

Por que olhar o homem sempre com espanto?
Este rosto estranho que se forma no espelho,
ou que surge imprevisto na esquina.
E que depois desaparece sem deixar pista.
Que cicatriz tão feia ele tem escondido?
Que codinome usa em suas fugas?
Mas onde a saída das próprias paredes?
Onde a resposta sem meias palavras? O exato termo?
Quando ontem ele parou de coincidir consigo mesmo?

E agora como recolher o homem do ventre do homem,
entre tantas sombras, entre tantos medos?
Como reconhecê-lo e como acalantá-lo, se lá fora
é dia claro e não há nenhum sinal de aurora?



Marcus Vinicius Quiroga 




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