domingo, 17 de maio de 2015

A CALÇADA DE COPACABANA



                                  Marcus Vinicius Quiroga


A CALÇADA DE COPACABANA


A calçada de Copacabana
cabe num cinzeiro de turista,
que é oferecido aos estrangeiros
como metonímia ou fetiche.
Suas ondas filtram todo o sol,
refletido só em preto e branco,
e anunciam que seu mar de pedra
encontra-se próprio para banho.

A calçada de Copacabana
não acaba no final do bairro.
Faz-se de serpente e se esparrama
por toda a cidade, escura e clara.
Suas ondas molham o país,
terras do país dos tristes trópicos,
e anunciam que seu mar de pedra
encontra-se próprio para foto.

A calçada de Copacabana 
se oferece como souvenir
e, no final de seu desenho,
há um pote cheio de arco-íris.
Suas ondas saltam os limites.
Em seu dia a dia se exercitam 
e anunciam que seu mar de pedra
encontra-se próprio para a vida.








segunda-feira, 11 de maio de 2015

ESTILÍSTICA DA REPETIÇÃO











Marcus Vinicius Quiroga


ESTILÍSTICA DA REPETIÇÃO
(O engenheiro do ar)

O poeta pondera:
o pão, os farelos postos na mesa.
Tudo é alimento.

Qual o gosto do prosaico
ou o sumo do metafísico?
Os papéis em branco não fazem diferença.

O homem se reparte mas não se exclui.
Águas tão distintas
convergem em nós na mesma corrente.

Existe hora adequada
para certo tipo de verso?
Ou qualquer um os subterrâneos desvenda?

O poeta procura
palavras pouco usuais
para efeito de surpresa e suspense.

Faz-se de prestidigitador
e escreve coisas estranhas
nas quais nem ele mesmo pensa.

Que analogias há
entre um campo, um chinês
e o sono, por exemplo?

O texto se mexe,
com o propósito de hipnose,
feito um pêndulo.

O poeta pergunta.
O tempo todo inquire sobre coisas
como a matéria da vida, o tempo.

Parece que circula
ao redor dos mesmos temas
e de questões aparentemente pequenas.

Mas se repete
com tal gosto e maestria,
como se escondesse outro intento.

Sua voz é calma,
quando solta seu poema-pipa
no espaço em branco do vento.








quinta-feira, 7 de maio de 2015

APLICAÇÃO


Marcus Vinicius Quiroga


APLICAÇÃO
(Máquina na pista) 

O que navega sem bússola é vago,
adentra mares só do imaginário.

Uma nau, por exemplo, salta as ondas
e não espera porto e perspectiva.
Vai adiante, à deriva. Não encontra
vestígios das miragens nem das ilhas.  

Não sabe se anda em círculos há dias,
(embora isto lhe seja indiferente).
Apenas sente que há ondas e ondas.

Não tem destino a não ser o de sempre
ir pelo sempre, pelas horas do ontem,
pelo tempo do nunca, pelo mundo
do agora, como se branca mensagem
em garrafa vazia. E não afunda.
 


quarta-feira, 6 de maio de 2015

VAN GOGH ESTÁ EM VOGA























Marcus Vinicius Quiroga

VAN GOGH ESTÁ EM VOGA
 ( O livro amarelo de Van Gogh)

outros se inquietam
quebram regras
               dos mestres

cospem chamas
             pela arte
partem a vida
            em antes e depois
deste dia

outros se embriagam
           vagam por países
sem abrigo

se entregam
    ao ópio
    ao delírio

outros desertam
           deixam famílias
fazem dívidas

e se oferecem à arte
       como um mártir
       um santo
       um qorpo-santo

outros desagradam
           “tropeçam
nos tapetes da etiqueta”
          vomitam sóis
          que incomodam os olhos


são expulsos
               dos salões, dos banquetes

         são vulgares
                obscenos, sem protocolo

outros vestem-se saltimbancos
           e se põem à margem
malabares
fazem prodígios
             pela arte
             sabem que a vida
             é um salto sem lona


sexta-feira, 1 de maio de 2015

LAMPEJO, RELÂMPAGOS, INCÊNDIOS





































LAMPEJO, RELÂMPAGOS, INCÊNDIOS


Aprendi que a luz justa
é a que faz voluntários
     arregaçarem as mangas
           e sujarem as mãos

como, se juntos, fossem filamentos
     da mesma lâmpada

Também aprendi na luz baixa
             de uma São Luís pobre que a luz
      pode ser mais alta

como um susto na escuridão,
como um sobressalto

Há luzes várias nas coisas e nos homens
e elas nos escondem
              de nós, quando cegas

sem a  expectativa
          de uma vida diferente
ou diferentes formas de convívio
                               de escrita
                               de política

Há luzes que trazemos desde cedo
e exibimos no rosto
e por elas somos reconhecidos
               como um número de identidade
               ou uma mancha na pele
               ou mesmo uma cicatriz

Aprendi em dias distantes que o escuro
adere ao corpo
                    às vezes até a morte

e as horas se parecem
com outras sem ruptura

Então é preciso que luzes
sejam semeadas
         como um grão
                             e aguado seu cultivo


para que de repente

haja em mim
na família, no país
                uma espécie de incêndio

cujo fogo se alastre
nas mãos de iniciativa
               para que a vida seja feita

às claras
e se revele por inteira

sempre que uma luz dispare,
vinda talvez da infância,
                      o lampejo do desejo

ou o eterno momento-relâmpago










quinta-feira, 30 de abril de 2015

ENGAGÉE
























ENGAGÉE
(Gullar Gullar)


O poeta toma partido:
- Como ser neutro? Como ser outro?

O país precisa de quem procure
                                 a aurora

Não se sabe de seu paradeiro
Foi vista pela última vez
             nas mãos de um operário,
no coração dos mais vários cidadãos,
                 porque a aurora
não tem dono,

como os latifúndios vazios

Desapareceu numa rádio-patrulha
sem pista,
sem testemunha

O poeta entra no partido.
No momento em que muitos se escondem
ele assina a filiação

O corpo franzino não tem medo
de telefone,
de pau de arara,
de cadeira de dragão

Ele agora usa a estrela-estigma
              no peito
como um judeu,
um homossexual

Sua estrela é o peito aberto,
onde mal cabe
o coração desnecessário

Mas seu coração cresce
como no poema de Drummond
e forma uma corrente:
            o texto passa de mão em mão
como se um alimento            



Mas muitas bocas sem dente
       estão fechadas para palavras

O poeta é partido.
Uma parte é presa
       presta depoimento
escuta ameaças
           depois é solto

e repartido
como hóstia
entre os leitores, que dobram a cada discurso

Outra parte
permanece com a família
      e leva o menor ao circo,
ao algodão doce, ao palhaço


o outro vai às acrobacias,
ao globo da morte,
              ao equilíbrio no arame

Acredita no trapézio no ar
             e nas mãos dos homens
                 

Utopia é seu codinome














segunda-feira, 20 de abril de 2015

ESTILÍSITICA DA REPETIÇÃO



                                                   Marcus Vinicius Quiroga



ESTILÍSTICA DA REPETIÇÃO
(O engenheiro do ar)

O poeta pondera:
o pão, os farelos postos na mesa.
Tudo é alimento.

Qual o gosto do prosaico
ou o sumo do metafísico?
Os papéis em branco não fazem diferença.

O homem se reparte mas não se exclui.
Águas tão distintas
convergem em nós na mesma corrente.

Existe hora adequada
para certo tipo de verso?
Ou qualquer um os subterrâneos desvenda?

O poeta procura
palavras pouco usuais
para efeito de surpresa e suspense.

Faz-se de prestidigitador
e escreve coisas estranhas
nas quais nem ele mesmo pensa.

Que analogias há
entre um campo, um chinês
e o sono, por exemplo?

O texto se mexe,
com o propósito de hipnose,
feito um pêndulo.

O poeta pergunta.
O tempo todo inquire sobre coisas
como a matéria da vida, o tempo.

Parece que circula
ao redor dos mesmos temas
e de questões aparentemente pequenas.

Mas se repete
com tal gosto e maestria,
como se escondesse outro intento.

Sua voz é calma,
quando solta seu poema-pipa
no espaço em branco do vento.