ALEGORIA
PARA UMA BAILARINA SEM REDE DE PROTEÇÃO
Campo de trigo maduro)
a
louça se desequilibra e se espatifa
a
perda de uma peça desfaz a baixela
como
lidar com o irreversível fato:
o
presente de casamento desfalcado?
se
ao menos fosse uma lasca. Não, nem mesmo isto
seria
aceito pela louça ainda não gasta
só
no dia das núpcias e das demais bodas
serviram-se
iguarias para íntimas bocas
não
houve outras datas que lhe fizessem jus
nem
solenidade por mais alto o seu custo
a
baixela permaneceu dentro do armário
em
exposição como no museu de cera
seria
este o seu uso: o de ser exibida
e
não o de ser suja e lavada na pia
e
panos de prato, mesmo os de fino linho,
quando
a enxugaram, sempre foram sacrílegos
melhor,
se tivessem ficado sem contato
de
mãos servis e sem estirpe de criados
e
até das mãos de mais respeito da família
melhor,
se nenhuma a tivesse um dia erguido
seria
esta a baixela de todas a virgem
intacta
de paixão, intacta de vertigem
aquela
que teria em si sempre latente
o
desejo para uso, a véspera, o suspense
seria
ela a delícia mais apreciada
que
qualquer uma de hipotéticos jantares
e
os elogios feitos no final da ceia
seriam
todos dirigidos à baixela
e
o apetite, de água na boca, insaciável
seria
por suas peças, em unidade
como
lidar com o irreversível fato
e
conviver com o que agora se fez cacos?
como
juntá-los e, quem sabe, recompô-los
sem
ter a sensação de perda, dano, dolo?
quem
retrocede no tempo e ampara a louça,
que
sem a rede de proteção saltar ousa?
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