segunda-feira, 23 de março de 2015

ALEGORIA PARA UMA BAILARINA SEM REDE CE PROTEÇÃO

ALEGORIA PARA UMA BAILARINA SEM REDE DE PROTEÇÃO
 Campo de trigo maduro)

a louça se desequilibra e se espatifa
a perda de uma peça desfaz a baixela

como lidar com o irreversível fato:
o presente de casamento desfalcado?

se ao menos fosse uma lasca. Não, nem mesmo isto
seria aceito pela louça ainda não gasta

só no dia das núpcias e das demais bodas
serviram-se iguarias para íntimas bocas

não houve outras datas que lhe fizessem jus
nem solenidade por mais alto o seu custo

a baixela permaneceu dentro do armário
em exposição como no museu de cera

seria este o seu uso: o de ser exibida
e não o de ser suja e lavada na pia

e panos de prato, mesmo os de fino linho,
quando a enxugaram, sempre foram sacrílegos

melhor, se tivessem ficado sem contato
de mãos servis e sem estirpe de criados

e até das mãos de mais respeito da família
melhor, se nenhuma a tivesse um dia erguido

seria esta a baixela de todas a virgem
intacta de paixão, intacta de vertigem

aquela que teria em si sempre latente
o desejo para uso, a véspera, o suspense

seria ela a delícia mais apreciada
que qualquer uma de hipotéticos jantares

e os elogios feitos no final da ceia
seriam todos dirigidos à baixela

e o apetite, de água na boca, insaciável
seria por suas peças, em unidade

como lidar com o  irreversível fato
e conviver com o que agora se fez cacos?

como juntá-los e, quem sabe, recompô-los
sem ter a sensação de perda, dano, dolo?

quem retrocede no tempo e ampara a louça,
que sem a rede de proteção saltar ousa?









Nenhum comentário:

Postar um comentário